À portas fechadas já estavam se reunindo alguns dos principais cofres da cidade. Cara a cara com eles alguns políticos, na sua maioria, apadrinhados por estes mesmos senhores endinheirados. Eu sabia que estava atrasado e nem por isso apertava o passo. Caminhava quase que como quem caminha para a própria forca. Entrei tentando não chamar atenção, mas o leve solavanco do trinco da porta desviou os olhares em minha direção.
Rapidamente trato de reconhecer as figuras abancadas por toda a sala. Raposas velhas, lobos em pele de cordeiro, um ou outro urubu, cobra, papagaio. Os evangélicos não comentam muito. O judeu, que parece ter sido tirado de um filme de época, é figura menos conhecida da fauna e está bastante agitado.
Cumprimento um vereador pelo caminho, outro e depois outro. Cumprimento um jornalista e rapidamente outro. Sentei sem notar a figura mais ao fundo que passa anônimo para a maioria dos presentes, sem que eu o notasse ele se levanta e vai até lá falar comigo, é um representante da Maçonaria.
O clima é de conspiração: Maçonaria, Evangélicos, Católicos, Judeus, Comunistas, Políticos e nos cantos, a imprensa, colhendo migalhas. Os que argumentam discutem apenas pela prosopopéia de quem quer controlar o mundo, os que se omitem apenas temem represálias.
Saio dali com uma única convicção: Quem pode mais chora menos.
Opa! São duas convicções! A segunda é: Nunca proponha a um judeu que ele ganhe menos, ele pode ferver.
Saio dali apressado, mas não sem passar por uma dezena de apertos de mão.
Dali, direto para um encontro com líderes religiosos.
Aquele templo eu já havia freqüentado quando era criança, não como fiel, mas era obrigado a acompanhar uma babá que orava até mesmo em horário de serviço. Enquanto caminho por um corredor, onde todas as portas possuem câmeras de segurança, tento encontrar alguma coisa que me remeta a minha infância - Mas nada. A porta pela qual sou convidado a entrar não possui trinco, e só pode ser aberta por controle-remoto. “O reino de Deus continua em reformas” penso rápido, mas sou interrompido por mais uma rodada de apertos de mãos.
Sorrisos largos. Humor contido. Educação à toda prova. Mas sinto certa resistência às minhas tatuagens. O tema da reunião agora segue pelos discursos da reunião anterior. Os personagens simplesmente exercem seu papel - nem marxistas, nem chaplinianos – nem de direita, nem de esquerda – nem fedem, nem cheiram – nem nada. Depois de muita conversa alguém deixa escapar que até o plano divino possui interesses nos cofres públicos e privados. E aquela reunião também já havia se alongado por demais. O controle remoto abre a porta, a impressão que fica não é a melhor.
Terceira reunião do dia. A sala, postada ao lado do banheiro, também já estava de portas fechadas quando cheguei, mas ali o protocolo me conferia o direito de entrar sem bater. Sentado do outro lado do granito o homem que havia deflagrado a guerra entre Deus, Judeus, Maçons, Ricaços e Proto-comunistas.
Ri muito, pelo menos por dentro, recapitulando a história que ele deveria saber amargamente, porque eu não dei os conselhos que dei gratuitamente, eu cobrei, e conselho quando é pago, precisa ser muito bom.
Não dei conta de terminar essa reunião sem demonstrar nervosismo com o celular que não parava de tocar. Precisava com urgência mudar de foco, de ares, e de personagens. Ela vamos nós.
Prédio da prefeitura, expediente à muito encerrado, adivinhe só... Portas fechadas! E lá vamos nós para outra reunião, mas não sem antes uma boa rodada de apertos de mãos - o eterno almofadinha, o candidato, o presidente, o ex-candidato, o ex-presidente, o ex-vereador, e mais umas figuras - passava das 18 h e a maioria de nós entrou no prédio que há muito já estava curtindo o fim de semana
“Me explica o INPC que eu quero ver o que deu no IGP-Di. Mudando de assunto o Idebe; E o Dieese, achou ai?” Confesso que eu atropelei um pouco essa reunião por gosto. Não pelo gosto de atrapalhar, mas por manter todos os assuntos sobre um aparente domínio. E o celular mais uma vez denuncia que o meu tempo era escasso.
Saio da reunião sem poder me impor e sem ter certeza de qual rumo esse grupo irá tomar nas próximas 24 horas. Ou seja, em plenos sábado, teremos novas reuniões.
Sexta-feira, 19horas. Reunião de pais e professores.
A reunião é de pais, mas curiosamente eu sou o único pai a estar ali às 19 horas. Algumas mães estão em uma sala ao lado, de porta aberta, outras pelo corredor, mas ironicamente, pai, só tem um.
Meu cérebro da voltas, quase convulsivo, boa parte tentando enxergar algum lucro nessa loucura toda, outra parte tentando fechar articulações boas para que a 3ª reunião colhesse os frutos da 2ª e pudesse melhorar o panorama geral da 3ª isso tudo, dando espaço para as decisões da 4ª, matemática meio orgânica essa. Acordos políticos, jeitinhos, favores, mas volto a reunião entre pais e professores.
Porta aberta, a diretora passa com passos rápidos, volta, uma professora volta, e vai, chamam a mãe que está sentada em um banco (19:10h), eu permaneço de pé, no meio do corredor, em frente a sala vazia, ao lado da sala onde a diretora e as professoras conduzem mais e mais pessoas.
(19:30h) Começam uma reunião, e eu não fui convidado a participar, mesmo tendo chego no horário, mesmo sendo pai, mesmo pagando as mensalidades em dia...
Me ofendi! Postei-me na soleira e fiquei com cara de pouquíssimos amigos. Chega outro pai atrasado, que deve ter se atrasado também para a distribuição de educação, entrou porta a dentro como um delegado do Dops entraria numa reunião de subversivos. Sorte da porta em ter tido a decência de permanecer aberta, fechada estivesse chutada teria sido.
Parece um tanto ficcional, mas após ter sido recebido por políticos, magnatas, mafiosos, religiosos - na tentativa de fazer lobby para tentar mudar o sentido da rotação da terra, ou outro assunto sem sentido - eu esbarrei na carismática figura loira, fora de forma, de pouco mais de 1,50m, que, de portas abertas, não me convidou para entrar, e simplesmente me ignorou como se eu não tivesse nada mais a somar.
Bizarro, irônico, mas fazer o que?
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