sexta-feira, 26 de junho de 2009
Eu matei Michael Jackson
Devagar, dobrei a esquina e fui ganhando quadra após quadra a Av. JK. A noite recém havia chegado e o som alto do carro antecipava o fim de semana. No centro da cidade os mais nervosos disputavam o asfalto metro a metro, seja no sentido bairro-centro, seja na pista contrária.
Colei pelo vidro os malabares comendo solto no semáforo. Atrás dos prédios o céu avermelhado anunciava uma chuva fria que não demoraria muito a chegar.
Viro outra esquina tentando esquecer a quantidade de coisas que deram erradas na semana. No porta luvas uma conta de telefone atrasada, o tanque do carro na reserva, na carteira, cheques sem fundo, cheques pré-datados, e uns trocados que precisam durar até segunda-feira. “Fim de mês é sempre complicado.” A frase, mesmo repetida
mentalmente como mantra, se dissipa nos versos do samba rock que toca no rádio.
Vejo a ultima luz verde do semáforo se apagando, o amarelo passa rápido e o carro na minha frente passa, já vem o vermelho e eu fico. No carro ao lado, uma senhora de meia idade fecha o vidro apressada - óculos fundos, blusa de lã – quase uma caricatura de professora.
De cabeça baixa, nariz meio sujo, cabelo grosso, um menino de pele escura , que mal alcança a altura da janela estica os olhos pra mim. Ele estende a mão, em forma de concha, e a pele branca da palma só não contrata mais com o resto do corpo porque o corpo inteiro está ressecado pelo frio.
Não devo ter compaixão no olhar. Olho com uma dó formal, medida, cauterizada. Vejo que os lábios dele falam, mas o som do carro turva qualquer tentativa de comunicação, respondo que “hoje não rola, to duro mano...”
Vejo aquele olhar vítreo se afastando lento. A luz do semáforo não baixa. O menino vai embora sem dinheiro. Provavelmente ele acha que eu tenha sido esnobado por mais um. Meu olho pesa. A mão aperta o volante com um tanto de raiva, outro tanto é só frustração.
Procuro pelo espelho e nem vulto do menino. E se um sonho dele morreu naquela janela, eu também não escutei porque o menino pobre da pele escura foi embora sem fazer moonwalker.
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2 comentários:
os sonhos não dependem de outras pessoas para se realizarem, mas não digo mais nada porque vou acabar sendo taxada com vários adjetivos terríveis, haha.
já arrumou o som do carro então?
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